domingo, 7 de fevereiro de 2010

LEMBRANÇAS DO TERROR-Mailde Galvão

1960, Djalma Maranhão, prefeito de Natal; Aluízio Alves, governador do Rio Grande do Norte.
Mailde Pinto Galvão, funcionária concursada do Departamento de Correios e Telégrafos é convidada pelo cunhado, Moacyr de Góes, Secretário de Educação, Cultura e Saúde da administração Djalma Maranhão, para dirigir a Diretoria de Documentação e Cultura da Prefeitura de Natal.
O trabalho da Diretoria de Documentação e Cultura-DDC era buscar a democratização da cultura, através de ações como as Praças de Cultura, com bibliotecas populares, jornais murais, quadras de esporte e parques infantis, espelhado na experiência desenvolvida pelo Movimento de Cultura Popular do Recife, buscando a integração da comunidade dos bairros. “... Não era por acaso que, nos bairros das Rocas e Quintas, os empréstimos de livros atingiam a média dos dois mil e quinhentos mensais, e as promoções culturais recebiam um público talvez nunca repetido. Os vencedores do golpe entenderam que, através da leitura nas bibliotecas populares, estimulava-se a preparação de guerrilhas, apavoraram-se com os livros nas mãos do povo e não aceitaram explicações nem defesa dos programas culturais realizados pela DDC”. (págs. 118, 119).
Após a decretação do golpe militar de 1964, com o apoio público ao presidente João Goulart e em defesa da democracia, o prefeito Djalma Maranhão e seus auxiliares passam a ser alvo de perseguições, prisões e torturas.
No dia 8 de abril, Mailde Galvão é presa na residência de uma irmã e levada por militares do Exército para o 16º Regimento de Infantaria. “Chegando ao quartel, conduziram-me ao primeiro andar, para uma sala de onde vinha saindo uma cantora de festas populares promovidas pela Prefeitura... A prisão de Luíza de Paula, uma jovem de vida simples, sem vinculações políticas nem participação na administração municipal, pareceu-me incrível e me senti participante de uma farsa surrealista... Iniciava-se o primeiro dos seis interrogatórios que respondi em diversas comissões de inquérito”. (pág.60).
Mailde, de formação católica, com vivência em colégio de freiras, em regime interno, nunca exerceu militância político partidária. Procurou ser uma mulher consciente dos problemas do seu tempo e voltada para os livros. “Djalma freqüentava a casa de Moacyr e conhecia Mailde pelas suas atividades literárias, o que não era muito comum naquele tempo, uma mulher que lia obras completas de autores e mais autores. Todo mundo conhecia isso e Djalma tinha essa admiração. É tanto que convidou Mailde, diversas vezes, para assumir essa diretoria e Mailde nunca quis porque ela nunca quis se meter com política, principalmente político que tinha fama de esquerda, como era a de Djalma, embora ela o admirasse”, expressou Cláudio Galvão.
Segundo Mailde, o governador, definido pelo apoio ao golpe, formou a sua Comissão de Investigações e contratou, no estado de Pernambuco, dois policiais especializados, a quem concedeu poderes absolutos e excepcionais. “Os policiais Carlos Moura de Morais Veras, com treinamento no FBI, nos Estados Unidos, e José Domingos da Silva, experientes e eficientes, usaram com muita competência, métodos semelhantes aos praticados pelos nazistas da Segunda Guerra Mundial”. (pág.32).
No dia 19 de junho, ao meio-dia, o motorista do Estado e o agente do Departamento de Ordem Pública e Social foram buscar Mailde em casa para prestar depoimento ao delegado Veras. “... Lembro que na sala deixei meus pais e uma irmã. Ainda ouvi o meu pai indagando para onde me levavam, mas o motorista não se dignou sequer a olhar”. (pág.150).
Após saírem da residência de Mailde Galvão foram buscar Maria Diva da Salete Lucena (professora do Atheneu norte-rio-grandense e do ginásio Municipal de Natal) que também foi convocada para prestar depoimento. Em seguida o motorista se dirigiu à casa da professora Margarida de Jesus Cortez, Diretora do Centro de Formação de Professores da Campanha “De Pé no Chão Também se Aprende a Ler”.
Ao chegarem ao 16º RI já se encontrava aprisionada a universitária Maria Laly Carneiro. “... Sabíamos que muitos companheiros, entre eles Djalma Maranhão, Carlos Lima, Aldo Tinoco, Ubirajara Macedo e outros encontravam-se ali, atrás daquelas grades, mas nenhum rosto apareceu”. (pág.151).
Em um período de, aproximadamente 40 dias de prisão, juntamente com as companheiras, (Laly, Margarida e Diva) Mailde foi convocada para prestar diversos depoimentos que levavam todo um dia de interrogatório, causando cansaço e desgaste emocional.
Em abril de 1966, recebe telegrama da Auditoria Militar do IV Exército, no Recife, comunicando que estava enquadrada nos crimes previstos nos artigos 9, 10 e 12 da Lei 1802/53, a Lei de Segurança Nacional.
Através de amigos contou com a defesa do renomado advogado, o Dr. Roque de Brito Alves. “... os seus honorários eram altos demais para os meus parcos recursos. Com um empréstimo da família e de amigos viajei ao Recife”. (pág.210).
No dia 04 de outubro de 1967, com o habeas-corpus, de nº29. 135, foi excluída da denúncia oferecida pela Auditoria da 7ª Região Militar.
Ao retornar ao trabalho no Departamento de Correios e Telégrafos, Mailde se sentiu discriminada pelos colegas. Era uma época de muita delação e as pessoas tinham medo de serem vistas em companhia de procurados pela ditadura. O que a obrigou a buscar aposentadoria proporcional.
Em 1970, Mailde casou-se com o pesquisador Cláudio Galvão. Cláudio estava de posse de uma bolsa de estudo para a Bélgica e o casal passou um ano residindo na Europa.
Em anos posteriores Mailde desempenhou as funções de Chefe de Gabinete da Secretaria Estadual de Saúde e da Secretaria de Trabalho e Ação Social.
“Este relato de fatos ocorridos em 1964 tem a pretensão de contribuir para o conhecimento da história do golpe militar no Rio Grande do Norte, focalizando, preferencialmente, os acontecimentos que atingiram a Prefeitura Municipal de Natal, nos quais fui envolvida, com alguns companheiros de trabalho do setor de educação e cultura do município.
Por dificuldades emocionais, muitas vezes tive que interromper esta reconstituição; mas, eu vivi, sofri e sobrevivi à perseguição da ditadura. Sinto-me, pois, moralmente comprometida a tirar da escuridão as minhas lembranças reprimidas”. (pág. 27).
O depoimento colhido, além da colaboração de Mailde e do professor Cláudio, é fruto do livro: “1964. Aconteceu em abril”, editora da UFRN, 2ª edição-2004.


Método de alfabetização utilizado pela Prefeitura de Natal na década de 1960, durante a administração de Djalma Maranhão.

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