Em
uma quarta-feira de tarde nublada, no mês dedicado à louvação de Maria, a mãe
de Jesus, Arcanjo pegou um ônibus para assistir mais um dia de aula. Como de
costume encarou o velho engarrafamento, fruto da visão de modernidade que
prefere mais carros na rua a um transporte público de efetiva qualidade.
Ao
entrar no ônibus ele buscou um dos assentos da parte traseira do veículo, de
forma a facilitar sua vida de estudante na hora da descida. Na terceira parada,
Arcanjo percebeu que uma senhora batia insistentemente na porta traseira
solicitando a abertura, por parte do condutor.
Como
se não bastasse a qualidade do transporte público, o sistema econômico faz com
que o motorista de ônibus, além de dirigir, tenha que receber o dinheiro pago
pelos usuários ao entrar pela porta frontal do veículo, descartando, totalmente,
a figura do cobrador. Essa nova atribuição do motorista confirma o dito popular
de que ninguém pode servir a dois senhores.
Nesse
caso, a vítima imediata do serviço dobrado foi a senhora que batia
insistentemente na porta traseira. Ninguém no ônibus, muito menos Arcanjo,
tomou a iniciativa de solicitar a abertura da porta.
Do
lado de fora um cidadão resolveu bater com mais força até que o motorista resolveu
abri-la. A senhora estava com uma criança de colo, a qual não dava para ser
vista do local em que Arcanjo estava sentado. Nessa hora bateu-lhe um
sentimento de culpa, ao mesmo tempo em que passou a refletir sobre as ações e
reações humanas constatadas no dia a dia das ruas, ou assistidas no noticiário
televisivo, mostrando a vida nas grandes cidades, em que pessoas são espancadas
e mortas barbaramente.
Pegar
ônibus era uma rotina comum para Arcanjo. Nesses tantos trajetos feitos, viu de
tudo um pouco: aquele vendedor que o motorista não deixar entrar para vender
suas balas, o ceguinho que não desperta a atenção em busca de subir no
transporte para ganhar uns trocados...
Foi
ai que Arcanjo, o usuário/estudante, pensou, “as ações de nós mesmos, seres
humanos, estão fazendo com que deixemos de ser solidários uns com os outros e
passemos ao estágio do medo. Se solicito a abertura da porta para aquela mãe
que batia insistentemente para entrar no veículo, corria o risco de ser
agredido, e sabe lá Deus as consequências disso”.
O
medo fez de Arcanjo um cético. Agora se sentia um cidadão acuado, medroso,
porque não dizer covarde. Acreditava que o mundo estava caminhando para o
salve-se quem puder; para, primeiro eu, segundo eu, terceiro eu. Não foram
esses os valores que ele tinha aprendido. Não foram esses os ensinamentos que
lhe transmitiram.
Não
podia aceitar passivamente que as ações e atitudes humanas tivessem o desfecho
que se prenunciavam, deixando-lhe acuado e calado, estorvado pelo egoísmo e
individualismo.
Inusitadamente
Arcanjo levantou-se do banco em que estava, venceu o seu medo e gritou: não
posso trocar a solidariedade pelo ceticismo. Todos olharam espantados.
Terminado
o grito, Arcanjo solicitou parada para o ponto seguinte, desceu do ônibus e
dirigiu-se à escola para mais um dia de aula.
Luiz Penha
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