segunda-feira, 16 de maio de 2011

Jornalista Luiz Cláudio Cunha recebe título de notório saber


Mariana Costa/UNB Agência


Jornalista ganhou os principais prêmios da imprensa brasileira com reportagens que desmascararam crimes cometidos pela ditadura militar
Leonardo Echeverria - Da Secretaria de Comunicação da UnB


O jornalista Luiz Cláudio Cunha levou 42 anos para receber um diploma de jornalismo. Nesse tempo de vida profissional, faturou os principais prêmios do jornalismo brasileiro, como o Esso e o Vladimir Herzog, além do prêmio Jabuti, um dos maiores na área literária, com o livro-reportagem Operação Condor: o seqüestro dos uruguaios  — uma reportagem dos tempos da ditadura (L&PM Editores, 2008, 472 páginas).

Trabalhou nas mais importantes redações do país: Zero Hora, Veja, IstoÉ, Jornal do Brasil, O Estado de S.Paulo, O Globo, Playboy, Realidade, Correio Braziliense e Rede Globo. Em Brasília, comandou as redações de Veja, IstoÉ, Jornal do Brasil, Zero Hora, Afinal e Diário da Indústria e Comércio. Nesta segunda-feira, 9 de maio, sua trajetória profissional exemplar foi reconhecida com o título de notório saber, concedido pela Faculdade de Comunicação e entregue pelo reitor José Geraldo de Sousa Junior.
"O bom jornalismo se faz e se constrói com boas perguntas. O jornalismo de excelência se faz com excelentes perguntas", disse Luiz Cláudio em seu discurso. Caçador implacável de boas histórias e personagens melhores ainda, fez questão de reafirmar seu compromisso profissional. "Todos precisamos lembrar. Eu, como jornalista, tenho o dever de contar". Em frente a um auditório lotado, criticou redes de TV financiadas por dogmas religiosos, senadores que sequestram gravadores de repórteres, juízes que permitem o acobertamento da verdade e governos militares que não suportam a liberdade. Lembrou das lutas de Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira, Honestino Guimarães e milhares de jovens que souberam dizer "não" à violência e ao medo.
"Jornalista dos mais competentes, Luiz Cláudio se notabilizou como um grande militante dos Direitos Humanos", disse o professor Luiz Gonzaga Motta. De fato, Luiz Cláudio desafiou a autoridade tacanha de coronéis e generais não só no Brasil, mas também no Uruguai e na Bolívia, com reportagens avassaladoras sobre assuntos que a caserna fazia questão de esconder. "Nossa profissão nunca foi tão desafiada, e a trajetória de Luiz Cláudio aponta um campo fértil para a prática jornalística: apostar nos direitos humanos como um paradigma transdisciplinar e universal", afirmou Motta.
A homenagem foi acompanhada pelos senadores Pedro Simon (PMDB-RS) e Ana Amélia Lemos (PP-RS); pelos professores Zélia Leal Adghirni, David Renault, Luiz Martins, Maria Jandyra Cunha e Hélio Doyle; e pelos jornalistas Eliane Catanhêde, Tales Faria e Edgar Lisboa. Na entrevista a seguir, Luiz Cláudio fala de como recebeu esse reconhecimento acadêmico e dos desafios da profissão de jornalista.

UnB Agência: Depois de ganhar os principais prêmios da imprensa brasileira, como é ter sua trajetória profissional reconhecida também pela Academia?
Luiz Cláudio: É um reconhecimento de alto nível que a universidade me concede, de forma espontânea. É fantástico, me deixa muito tocado. Não foi em função de uma prova, um vestibular. Pegaram a minha vida e acharam que aquilo tinha algum valor em termos de experiência. É a culminância de uma vida de trabalho de 40 anos. Eu não esperava isso. na hora em que a UnB se dá a esse trabalho de reconhecer o notório saber, pela primeira vez na área de jornalismo, é para deixar qualquer um bobo, como é o caso agora. De um lado você tem o reconhecimento dos colegas, por meio dos prêmios de jornalismo, do outro o reconhecimento de um centro de reflexão, que discute como fazer, como pensar. Juntando os dois pedaços, dá uma sensação de completude. Fechei o circuito.

Mariana Costa/UNB Agência

UnB Agência: O professor Luiz Gonzaga Motta destacou que, além da excelência técnica, sua vida profissional é marcada pelo forte seu envolvimento com as questões políticas. Como o senhor enxerga essa inquietação que guiou seu trabalho?
Luiz Cláudio: Em qualquer atividade humana, jornalismo ainda mais, a indignação é uma obrigação moral. Contra a ditadura, contra censura, contra a violência, contra a prepotência. Essa não é uma obrigação só do jornalista, eu acho que todo mundo tem que fazer isso. Uma atitude criativa e crítica em relação ao processo político é brigar para que o mundo seja melhor do que é. Eu não posso concordar com um mundo que tenha meias-verdades, cinismo, hipocrisia. Eu tive a sorte de fazer isso como jornalista. Tem gente que gosta mais de escrever sobre economia ou cultura. Eu gosto de escrever sobre política. Por azar nosso, sobre uma política nas últimas décadas marcada pela tentativa de restauração democrática do Brasil. Fui jogado nessa briga e poderia ter ficado quieto. Mas acho que o jornalismo exige essa crítica. Eu tentei ser leal a esse compromisso.

UnB Agência: O senhor já critica o autoritarismo há 30 anos, mas ainda hoje temos exemplos decepcionantes, como a manutenção da Lei de Anistia pelo Supremo Tribunal Federal. O senhor não fica desanimado às vezes?
Luiz Cláudio: Fico chateado com a inércia e a apatia do Brasil em relação aos direitos humanos. Fico irritado com o discurso de que buscar a verdade é revanchismo. O Uruguai acaba de revogar a lei de anistia promulgada no governo militar. Essas leis foram feitas para anistiar os torturadores. Quando vejo nosso caso, fico envergonhado de ser brasileiro, aqui a gente continua se enganando. Fico espantado que no Congresso, nas ruas, não haja um levante contra isso. É natural que não esperássemos isso na época da ditadura, mas na democracia? Passamos por Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e não acontece nada! Agora a presidente Dilma Rousseff, que passou pela luta armada, foi presa e torturada, tem o dever moral, na carne e no sangue, de escarafunchar isso. É a única garantia de que não vai se repetir no futuro. Eu não quero botar ninguém na cadeia, mas eu quero que a Justiça aponte e diga: "o senhor foi torturador, isso vai ficar na sua ficha, na sua biografia". A Justiça nos deve isso como sociedade civilizada. Para virar uma página, é preciso lê-la. Até lá, vou continuar um cara indignado.

UnB Agência: Mas valeu a pena todo esse esforço, mesmo sem o resultado esperado?
Luiz Cláudio: Eu ficaria muito infeliz se não tivesse feito assim. Como disse Darcy Ribeiro: "somei mais fracassos que vitórias em minhas lutas, mas isso não importa. Horrível seria ter ficado ao lado dos que me venceram nessas batalhas". Tem certas derrotas que nos engrandecem. Se eu não consegui o que quis em termos de revelar a verdade, pelo menos tenho consciência de que fiz o bom combate. Falei tudo o que achei que deveria falar.

UnB Agência: O jornalismo mudou muito nos últimos anos. As tecnologias, o mercado, a prática profissional. Na sua opinião, o que ainda permanece no jornalismo, o que não pode mudar?
Luiz Cláudio: O que não pode mudar é a desconfiança da imprensa em relação ao governo. Nunca podemos confiar no poder. O que faz bem ao governo é uma imprensa crítica. Não podemos desistir nunca disso. Devemos perguntar, fustigar, incomodar. Segundo, uma coisa que estamos em pleno processo de modificação é essa tecnologia massacrante. O volume de informações traz um sério risco de perdermos a noção do que é importante e do que não é. Acaba sendo meio boboca. É aquela coisa que o Gay Talese (jornalista norte-americano, um dos pais do novo jornalismo) falou: com a facilidade do Google, do twitter, o jornalista não sai da cadeira. Isso pode levar de roldão o jornalismo de relevância. Essa volúpia tecnológica pode estar sufocando o nosso ponto de reflexão. O mais importante no jornalismo não é a resposta, é a pergunta.

UnB Agência: Se o senhor estivesse começando hoje na profissão, para quais perguntas estaria buscando respostas?
Luiz Cláudio: Que pergunta é essa, hein? (risos) Uma boa seria aquela que o coronel Jonas, do Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (CISA), poderia responder: onde está Honestino Guimarães? Essa é uma pergunta que interessa à universidade, à juventude brasileira e à História. Todas as perguntas não-respondidas continuam pairando sobre as cabeças das pessoas. O jornalista tem a obrigação moral de ficar repetindo essas perguntas. O que houve? Por que aconteceu? Quem fez isso? Enquanto eu puder fazer perguntas, vou estar aqui na luta.

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