segunda-feira, 23 de maio de 2011

Os gays e a Bíblia - Frei Betto



Foto: camacarifatosefotos.com.br


É no mínimo surpreendente constatar as pressões sobre o Senado para evitar a lei que criminaliza a homofobia. Sofrem de amnésia os que insistem em segregar, discriminar, satanizar e condenar os casais homoafetivos. No tempo de Jesus, os segregados eram os pagãos, os doentes, os que exerciam determinadas atividades profissionais, como açougueiros e fiscais de renda. Com todos esses Jesus teve uma atitude inclusiva. Mais tarde, vitimizaram indígenas, negros, hereges e judeus. Hoje, homossexuais, muçulmanos e migrantes pobres (incluídas as “pessoas diferenciadas”…).
Relações entre pessoas do mesmo sexo ainda são ilegais em mais de 80 nações. Em alguns países islâmicos elas são punidas com castigos físicos ou pena de morte (Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Nigéria etc). No 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 2008, 27 países-membros da União Europeia assinaram resolução à ONU pela “despenalização universal da homossexualidade”.

A Igreja Católica deu um pequeno passo adiante ao incluir no seu catecismo a exigência de se evitar qualquer discriminação a homossexuais. No entanto, silenciam as autoridades eclesiásticas quando se trata de se pronunciar contra a homofobia. E, no entanto, se escutou sua discordância à decisão do STF ao aprovar o direito de união civil dos homoafetivos.
Ninguém escolhe ser homo ou heterossexual. A pessoa nasce assim. E, à luz do Evangelho, a Igreja não tem o direito de encarar ninguém como homo ou hetero, e sim como filho de Deus, chamado à comunhão com Ele e com o próximo, destinatário da graça divina.
São alarmantes os índices de agressões e assassinatos de homossexuais no Brasil. A urgência de uma lei contra a violência simbólica, que instaura procedimento social e fomenta a cultura da satanização.
A Igreja Católica já não condena homossexuais, mas impede que eles manifestem o seu amor por pessoas do mesmo sexo. Ora, todo amor não decorre de Deus? Não diz a Carta de João (I,7) que “quem ama conhece a Deus” (observe que João não diz que quem conhece a Deus ama…).
Por que fingir ignorar que o amor exige união e querer que essa união permaneça à margem da lei? No matrimônio são os noivos os verdadeiros ministros. E não o padre, como muitos imaginam. Pode a teologia negar a essencial sacramentalidade da união de duas pessoas que se amam, ainda que do mesmo sexo?
Ora, direis, ouvir a Bíblia! Sim, no contexto patriarcal em que foi escrita seria estranho aprovar o homossexualismo. Mas muitas passagens o subtendem, como o amor entre Davi por Jônatas (I Samuel 18), o centurião romano interessado na cura de seu servo (Lucas 7) e os “eunucos de nascença” (Mateus 19). E a tomar a Bíblia literalmente, teríamos que passar ao fio da espada todos que professam crenças diferentes da nossa e odiar pai e mãe para verdadeiramente seguir a Jesus.
Há que passar da hermenêutica singularizadora para a hermenêutica pluralizadora. Ontem, a Igreja Católica acusava os judeus de assassinos de Jesus; condenava ao limbo crianças mortas sem batismo; considerava legítima a escravidão;e censurava o empréstimo a juros. Por que excluir casais homoafetivos de direitos civis e religiosos?
Pecado é aceitar os mecanismos de exclusão e selecionar seres humanos por fatores biológicos, raciais, étnicos ou sexuais. Todos são filhos amados por Deus. Todos têm como vocação essencial amar e ser amados. A lei é feita para a pessoa, insiste Jesus, e não a pessoa para a lei.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Polêmica ou ignorância?


Foto: Marcos Muzi
Discussão sobre livro didático só revela ignorância da grande imprensa
Marcos Bagno - Professor da Universidade de Brasília
Para surpresa de ninguém, a coisa se repetiu. A grande imprensa brasileira mais uma vez exibiu sua ampla e larga ignorância a respeito do que se faz hoje no mundo acadêmico e no universo da educação no campo do ensino de língua.
Jornalistas desinformados abrem um livro didático, leem metade de meia páginae saem falando coisas que depõem sempre muito mais contra eles mesmos do que eles mesmos pensam (se é que pensam nisso, prepotentemente convencidos que são, quase todos, de que detêm o absoluto poder da informação).
Polêmica? Por que polêmica, meus senhores e minhas senhoras? Já faz mais de quinze anos que os livros didáticos de língua portuguesa disponíveis no mercado e avaliados e aprovados pelo Ministério da Educação abordam o tema da variação linguística e do seu tratamento em sala de aula. Não é coisa de petista, fiquem tranquilas senhoras comentaristas políticas da televisão brasileira e seus colegas explanadores do óbvio.
Já no governo FHC, sob a gestão do ministro Paulo Renato, os livros didáticos de português avaliados pelo MEC começavam a abordar os fenômenos da variação linguística, o caráter inevitavelmente heterogêneo de qualquer língua viva falada no mundo, a mudança irreprimível que transformou, tem transformado, transforma e transformará qualquer idioma usado por uma comunidade humana. Somente com uma abordagem assim as alunas e os alunos provenientes das chamadas “classes populares” poderão se reconhecer no material didático e não se sentir alvo de zombaria e preconceito. E, é claro, com a chegada ao magistério de docentes provenientes cada vez mais dessas mesmas “classes populares”, esses mesmos profissionais entenderão que seu modo de falar, e o de seus aprendizes, não é feio, nem errado, nem tosco, é apenas uma língua diferente daquela – devidamente fossilizada e conservada em formol – que a tradição normativa tenta preservar a ferro e fogo, principalmente nos últimos tempos, com a chegada aos novos meios de comunicação de pseudoespecialistas que, amparados em tecnologias inovadoras, tentam vender um peixe gramatiqueiro para lá de podre.
Enquanto não se reconhecer a especificidade do português brasileiro dentro do conjunto de línguas derivadas do português quinhentista transplantados para as colônias, enquanto não se reconhecer que o português brasileiro é uma língua em si, com gramática própria, diferente da do português europeu, teremos de conviver com essas situações no mínimo patéticas.
A principal característica dos discursos marcadamente ideologizados (sejam eles da direita ou da esquerda) é a impossibilidade de ver as coisas em perspectiva contínua, em redes complexas de elementos que se cruzam e entrecruzam, em ciclos constantes. Nesses discursos só existe o preto e o branco, o masculino e o feminino, o mocinho e o bandido, o certo e o errado e por aí vai. Darwin nunca disse em nenhum lugar de seus escritos que “o homem vem do macaco”. Ele disse, sim, que humanos e demais primatas deviam ter se originado de um ancestral comum. Mas essa visão mais sofisticada não interessava ao fundamentalismo religioso que precisava de um lema distorcido como “o homem vem do macaco” para empreender sua campanha obscurantista, que permanece em voga até hoje (inclusive no discurso da candidata azul disfarçada de verde à presidência da República no ano passado).
Da mesma forma, nenhum linguista sério, brasileiro ou estrangeiro, jamais disse ou escreveu que os estudantes usuários de variedades linguísticas mais distantes das normas urbanas de prestígio deveriam permanecer ali, fechados em sua comunidade, em sua cultura e em sua língua. O que esses profissionais vêm tentando fazer as pessoas entenderem é que defender uma coisa não significa automaticamente combater a outra. Defender o respeito à variedade linguística dos estudantes não significa que não cabe à escola introduzi-los ao mundo da cultura letrada e aos discursos que ela aciona. Cabe à escola ensinar aos alunos o que eles não sabem! Parece óbvio, mas é preciso repetir isso a todo momento.
Não é preciso ensinar nenhum brasileiro a dizer “isso é para mim tomar?”, porque essa regra gramatical (sim, caros leigos, é uma regra gramatical) já faz parte da língua materna de 99% dos nossos compatriotas. O que é preciso ensinar é a forma “isso é para eu tomar?”, porque ela não faz parte da gramática da maioria dos falantes de português brasileiro, mas por ainda servir de arame farpado entre os que falam “certo” e os que falam “errado”, é dever da escola apresentar essa outra regra aos alunos, de modo que eles – se julgarem pertinente, adequado e necessário – possam vir a usá-la TAMBÉM. O problema da ideologia purista é esse também. Seus defensores não conseguem admitir que tanto faz dizer assisti o filme quanto assiti ao filme, que a palavra óculos pode ser usada tanto no singular (o óculos, como dizem 101% dos brasileiros) quanto no plural (os óculos, como dizem dois ou três gatos pingados).
O mais divertido (para mim, pelo menos, talvez por um pouco de masoquismo) é ver os mesmos defensores da suposta “língua certa”, no exato momento em quea defendem, empregar regras linguísticas que a tradição normativa que eles acham que defendem rejeitaria imediatamente. Pois ontem, vendo o Jornal das Dez, da GloboNews, ouvi da boca do sr. Carlos Monforte essa deliciosa pergunta: “Como é que fica então as concordâncias?”. Ora, sr. Monforte, eu lhe devolvo a pergunta: “E as concordâncias, como é que ficam então?”

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Depoimento da professora Amanda Gurgel sobre a realidade educacional do RN

Jornalista Luiz Cláudio Cunha recebe título de notório saber


Mariana Costa/UNB Agência


Jornalista ganhou os principais prêmios da imprensa brasileira com reportagens que desmascararam crimes cometidos pela ditadura militar
Leonardo Echeverria - Da Secretaria de Comunicação da UnB


O jornalista Luiz Cláudio Cunha levou 42 anos para receber um diploma de jornalismo. Nesse tempo de vida profissional, faturou os principais prêmios do jornalismo brasileiro, como o Esso e o Vladimir Herzog, além do prêmio Jabuti, um dos maiores na área literária, com o livro-reportagem Operação Condor: o seqüestro dos uruguaios  — uma reportagem dos tempos da ditadura (L&PM Editores, 2008, 472 páginas).

Trabalhou nas mais importantes redações do país: Zero Hora, Veja, IstoÉ, Jornal do Brasil, O Estado de S.Paulo, O Globo, Playboy, Realidade, Correio Braziliense e Rede Globo. Em Brasília, comandou as redações de Veja, IstoÉ, Jornal do Brasil, Zero Hora, Afinal e Diário da Indústria e Comércio. Nesta segunda-feira, 9 de maio, sua trajetória profissional exemplar foi reconhecida com o título de notório saber, concedido pela Faculdade de Comunicação e entregue pelo reitor José Geraldo de Sousa Junior.
"O bom jornalismo se faz e se constrói com boas perguntas. O jornalismo de excelência se faz com excelentes perguntas", disse Luiz Cláudio em seu discurso. Caçador implacável de boas histórias e personagens melhores ainda, fez questão de reafirmar seu compromisso profissional. "Todos precisamos lembrar. Eu, como jornalista, tenho o dever de contar". Em frente a um auditório lotado, criticou redes de TV financiadas por dogmas religiosos, senadores que sequestram gravadores de repórteres, juízes que permitem o acobertamento da verdade e governos militares que não suportam a liberdade. Lembrou das lutas de Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira, Honestino Guimarães e milhares de jovens que souberam dizer "não" à violência e ao medo.
"Jornalista dos mais competentes, Luiz Cláudio se notabilizou como um grande militante dos Direitos Humanos", disse o professor Luiz Gonzaga Motta. De fato, Luiz Cláudio desafiou a autoridade tacanha de coronéis e generais não só no Brasil, mas também no Uruguai e na Bolívia, com reportagens avassaladoras sobre assuntos que a caserna fazia questão de esconder. "Nossa profissão nunca foi tão desafiada, e a trajetória de Luiz Cláudio aponta um campo fértil para a prática jornalística: apostar nos direitos humanos como um paradigma transdisciplinar e universal", afirmou Motta.
A homenagem foi acompanhada pelos senadores Pedro Simon (PMDB-RS) e Ana Amélia Lemos (PP-RS); pelos professores Zélia Leal Adghirni, David Renault, Luiz Martins, Maria Jandyra Cunha e Hélio Doyle; e pelos jornalistas Eliane Catanhêde, Tales Faria e Edgar Lisboa. Na entrevista a seguir, Luiz Cláudio fala de como recebeu esse reconhecimento acadêmico e dos desafios da profissão de jornalista.

UnB Agência: Depois de ganhar os principais prêmios da imprensa brasileira, como é ter sua trajetória profissional reconhecida também pela Academia?
Luiz Cláudio: É um reconhecimento de alto nível que a universidade me concede, de forma espontânea. É fantástico, me deixa muito tocado. Não foi em função de uma prova, um vestibular. Pegaram a minha vida e acharam que aquilo tinha algum valor em termos de experiência. É a culminância de uma vida de trabalho de 40 anos. Eu não esperava isso. na hora em que a UnB se dá a esse trabalho de reconhecer o notório saber, pela primeira vez na área de jornalismo, é para deixar qualquer um bobo, como é o caso agora. De um lado você tem o reconhecimento dos colegas, por meio dos prêmios de jornalismo, do outro o reconhecimento de um centro de reflexão, que discute como fazer, como pensar. Juntando os dois pedaços, dá uma sensação de completude. Fechei o circuito.

Mariana Costa/UNB Agência

UnB Agência: O professor Luiz Gonzaga Motta destacou que, além da excelência técnica, sua vida profissional é marcada pelo forte seu envolvimento com as questões políticas. Como o senhor enxerga essa inquietação que guiou seu trabalho?
Luiz Cláudio: Em qualquer atividade humana, jornalismo ainda mais, a indignação é uma obrigação moral. Contra a ditadura, contra censura, contra a violência, contra a prepotência. Essa não é uma obrigação só do jornalista, eu acho que todo mundo tem que fazer isso. Uma atitude criativa e crítica em relação ao processo político é brigar para que o mundo seja melhor do que é. Eu não posso concordar com um mundo que tenha meias-verdades, cinismo, hipocrisia. Eu tive a sorte de fazer isso como jornalista. Tem gente que gosta mais de escrever sobre economia ou cultura. Eu gosto de escrever sobre política. Por azar nosso, sobre uma política nas últimas décadas marcada pela tentativa de restauração democrática do Brasil. Fui jogado nessa briga e poderia ter ficado quieto. Mas acho que o jornalismo exige essa crítica. Eu tentei ser leal a esse compromisso.

UnB Agência: O senhor já critica o autoritarismo há 30 anos, mas ainda hoje temos exemplos decepcionantes, como a manutenção da Lei de Anistia pelo Supremo Tribunal Federal. O senhor não fica desanimado às vezes?
Luiz Cláudio: Fico chateado com a inércia e a apatia do Brasil em relação aos direitos humanos. Fico irritado com o discurso de que buscar a verdade é revanchismo. O Uruguai acaba de revogar a lei de anistia promulgada no governo militar. Essas leis foram feitas para anistiar os torturadores. Quando vejo nosso caso, fico envergonhado de ser brasileiro, aqui a gente continua se enganando. Fico espantado que no Congresso, nas ruas, não haja um levante contra isso. É natural que não esperássemos isso na época da ditadura, mas na democracia? Passamos por Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e não acontece nada! Agora a presidente Dilma Rousseff, que passou pela luta armada, foi presa e torturada, tem o dever moral, na carne e no sangue, de escarafunchar isso. É a única garantia de que não vai se repetir no futuro. Eu não quero botar ninguém na cadeia, mas eu quero que a Justiça aponte e diga: "o senhor foi torturador, isso vai ficar na sua ficha, na sua biografia". A Justiça nos deve isso como sociedade civilizada. Para virar uma página, é preciso lê-la. Até lá, vou continuar um cara indignado.

UnB Agência: Mas valeu a pena todo esse esforço, mesmo sem o resultado esperado?
Luiz Cláudio: Eu ficaria muito infeliz se não tivesse feito assim. Como disse Darcy Ribeiro: "somei mais fracassos que vitórias em minhas lutas, mas isso não importa. Horrível seria ter ficado ao lado dos que me venceram nessas batalhas". Tem certas derrotas que nos engrandecem. Se eu não consegui o que quis em termos de revelar a verdade, pelo menos tenho consciência de que fiz o bom combate. Falei tudo o que achei que deveria falar.

UnB Agência: O jornalismo mudou muito nos últimos anos. As tecnologias, o mercado, a prática profissional. Na sua opinião, o que ainda permanece no jornalismo, o que não pode mudar?
Luiz Cláudio: O que não pode mudar é a desconfiança da imprensa em relação ao governo. Nunca podemos confiar no poder. O que faz bem ao governo é uma imprensa crítica. Não podemos desistir nunca disso. Devemos perguntar, fustigar, incomodar. Segundo, uma coisa que estamos em pleno processo de modificação é essa tecnologia massacrante. O volume de informações traz um sério risco de perdermos a noção do que é importante e do que não é. Acaba sendo meio boboca. É aquela coisa que o Gay Talese (jornalista norte-americano, um dos pais do novo jornalismo) falou: com a facilidade do Google, do twitter, o jornalista não sai da cadeira. Isso pode levar de roldão o jornalismo de relevância. Essa volúpia tecnológica pode estar sufocando o nosso ponto de reflexão. O mais importante no jornalismo não é a resposta, é a pergunta.

UnB Agência: Se o senhor estivesse começando hoje na profissão, para quais perguntas estaria buscando respostas?
Luiz Cláudio: Que pergunta é essa, hein? (risos) Uma boa seria aquela que o coronel Jonas, do Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (CISA), poderia responder: onde está Honestino Guimarães? Essa é uma pergunta que interessa à universidade, à juventude brasileira e à História. Todas as perguntas não-respondidas continuam pairando sobre as cabeças das pessoas. O jornalista tem a obrigação moral de ficar repetindo essas perguntas. O que houve? Por que aconteceu? Quem fez isso? Enquanto eu puder fazer perguntas, vou estar aqui na luta.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Fez-se vingança, não justiça


Leonardo Boff

Alguém precisa ser inimigo de si mesmo e contrário aos valores humanitários mínimos se aprovasse o nefasto crime do terrorismo da Al Qaeda do 11 de novembro de 2001 em Nova Iorque.
Mas é por todos os títulos inaceitável que um Estado, militarmente o mais poderoso do mundo, para responder ao terrorismo se tenha transformado ele mesmo num Estado terrorista. Foi o que fez Bush, limitando a democracia e suspendendo a vigência incondicional de alguns direitos, que eram apanágio do pais. Fez mais, conduziu duas guerras, contra o Afeganistão e contra o Iraque, onde devastou uma das culturas mais antigas da humanidade nas qual foram mortos mais de cem mil pessoas e mais de um milhão de deslocados.
Cabe renovar a pergunta que quase a ninguém interessa colocar: por que se produziram tais atos terroristas? O bispo Robert Bowman de Melbourne Beach da Flórida que fora anteriormente piloto de caças militares durante a guerra do Vietnã respondeu, claramente, no National Catholic Reporter, numa carta aberta ao Presidente:”Somos alvo de terroristas porque, em boa parte no mundo, nosso Governo defende a ditadura, a escravidão e a exploração humana. Somos alvos de terroristas porque nos odeiam. E nos odeiam porque nosso Governo faz coisas odiosas”.
Não disse outra coisa Richard Clarke, responsável contra o terrorismo da Casa Branca numa entrevista a Jorge Pontual emitida pela Globonews de 28/02/2010 e repetida no dia 03/05/2011. Havia advertido à CIA e ao Presidente Bush que um ataque da Al Qaeda era iminente em Nova York. Não lhe deram ouvidos. Logo em seguida ocorreu, o que o encheu de raiva. Essa raiva aumentou contra o Governo quando viu que com mentiras e falsidades Bush, por pura vontade imperial de manter a hegemonia mundial, decretou uma guerra contra o Iraque que não tinha conexão nenhuma com o 11 de setembro. A raiva chegou a um ponto que por saúde e decência se demitiu do cargo.
Mais contundente foi Chalmers Johnson, um dos principais analistas da CIA também numa entrevista ao mesmo jornalista no dia 2 de maio do corrente ano na Globonews. Conheceu por dentro os malefícios que as mais de 800 bases militares norte-americanas produzem, espalhadas pelo mundo todo, pois evocam raiva e revolta nas populações, caldo para o terrorismo. Cita o livro de Eduardo Galeano “As veias abertas da A.Latina” para ilustrar as barbaridades que os órgãos de Inteligência norte-americanos por aqui fizeram. Denuncia o caráter imperial dos Governos, fundado no uso da inteligiência que recomenda golpes de Estado, organiza assassinato de líderes e ensina a torturar. Em protesto, se demitiu e foi ser professor de história na Universidade da Califórnia. Escreveu três tomos “Blowback”(retaliação) onde previa, por poucos meses de antecedência, as retaliações contra a prepotência norte-americana no mundo. Foi tido como o profeta de 11 de setembro. Este é o pano de fundo para entendermos a atual situação que culminou com a execução criminosa de Osama Bin Laden.
Os órgãos de inteligência norte-americanos são uns fracassados. Por dez anos vasculharam o mundo para caçar Bin Laden. Nada conseguiram. Só usando um método imoral, a tortura de um mensageiro de Bin Laden, conseguiram chegar ao seu esconderijo. Portanto, não tiveram mérito próprio nenhum.
Tudo nessa caçada está sob o signo da imoralidade, da vergonha e do crime. Primeiramente, o Presidente Barak Obama, como se fosse um “deus” determinou a execução/matança de Bin Laden. Isso vai contra o princípio ético universal de “não matar” e dos acordos internacionais que prescrevem a prisão, o julgamento e a punição do acusado. Assim se fez com Hussein do Iraque,com os criminosos nazistas em Nürenberg, com Eichmann em Israel e com outros acusados. Com Bin Laden se preferiu a execução intencionada, crime pelo qual Barak Obama deverá um dia responder. Depois se invadiu território do Paquistão, sem qualquer aviso prévio da operação. Em seguida, se sequestrou o cadáver e o lançaram ao mar, crime contra a piedade familiar, direito que cada família tem de enterrar seus mortos, criminosos ou não, pois por piores que sejam, nunca deixam de ser humanos.
Não se fez justiça. Praticou-se a vingança, sempre condenável.”Minha é a vingança” diz o Deus das escrituras das três religiões abraâmicas. Agora estaremos sob o poder de um Imperador sobre quem pesa a acusação de assassinato. E a necrofilia das multidões nos diminui e nos envergonha a todos.
Leonardo Boff é autor de Fundamentalismo,terrorismo , religião e paz, Vozes 2009.